Aumentar participação feminina no comando das siglas é um dos principais desafios da democracia brasileira. Entre os 10 partidos com maior representatividade na Câmara dos Deputados, oito não alcançam nem 30% de presença feminina nas executivas nacionais. A baixa representatividade de mulheres em cargos de comando dentro dos partidos é um dos principais desafios para a igualdade de gênero na política, segundo avaliação de cientistas políticas e de parlamentares.
Como reflexo desse cenário, estão a falta de recursos e espaços para candidatas — que muitas vezes são escolhidas como “laranjas” apenas para cumprirem a cota de gênero exigida pela legislação.
Além disso, é comum que mulheres sejam preteridas pelos partidos nas indicações para assumirem ministérios, lideranças no Congresso e relatorias de projetos relevantes como o Orçamento ou propostas sobre administração pública e questões tributárias.
Um levantamento feito pela GloboNews mostra que, entre os 10 partidos com maior representatividade na Câmara dos Deputados, oito não alcançam nem 30% de presença feminina nas executivas nacionais - órgão decisório das legendas.
Levantamento mostra que 43% das mulheres sofrem violência de gênero na política
Veja a representatividade por partido:
PL
Integrantes da executiva: 22
Mulheres: 3 (13%)
PT
Integrantes da executiva: 29
Mulheres: 14 (48%)
União Brasil
Integrantes da executiva: 14
Mulheres: 2 (14%)
PP
Integrantes da executiva: 30
Mulheres: 5 (16%)
MDB
Integrantes da executiva: 10
Mulheres: 2 (20%)
PSD
Integrantes da executiva: 35
Mulheres: 11 (31%)
Republicanos
Integrantes da executiva: 17
Mulheres: 3 (17%)
PDT
Integrantes da executiva: 30
Mulheres: 8 (26%)
PSB
Integrantes da executiva: 47
Mulheres: 12 (25%)
PSDB
Integrantes da executiva: 37
Mulheres: 8 (21%)
A proporção é ainda menor quando se fala do comando dos partidos: apenas cinco têm mulheres como presidentes: o PCdoB, com Luciana Santos; o Podemos, com Renata Abreu; o PSOL, com Paula Coradi; a Rede com Heloísa Helena; e o PMB, com Suêd Haidar Nogueira.
Até esta sexta-feira (7), o PT também era comandado por uma mulher, Gleisi Hoffmann, que se afastou para assumir a Secretaria de Relações Institucionais.
Bancada feminina do Senado se agrupou para ouvir Pacheco falar sobre o projeto que equipara aborto após a 22ª semana a homicídio
Vinícius Cassela/ g1
Das 10 ministras hoje no governo Lula, duas são ou foram presidentes de partidos - o que demonstra a importância da estrutura partidária nestas indicações. Além de Gleisi, Luciana Santos é ministra de Ciência e Tecnologia.
Embora este seja o maior número de mulheres em ministérios da história do país, o percentual ainda está longe da paridade: 26% das 38 pastas estão sob comando feminino.
Falha de representativade
Para a professora de Direitos Fundamentais da FGV Direito SP Luciana Ramos, o fato de homens serem maioria no comando dos partidos faz com que eles indiquem candidatos semelhantes ao seu próprio perfil — seja para cargos no Executivo ou Legislativo.
"Os dirigentes dos partidos têm um perfil muito específico, são homens, brancos e em geral heterossexuais. Em geral, eles vão indicar pessoas com perfis semelhantes aos deles, com quem eles convivem. Você acaba afetando toda a cadeia: se você indicar menos mulheres candidatas, menos chance delas serem eleitas”, afirma.
A baixa representatividade é vista também em outras esferas do Poder Executivo.
No ano passado, 727 mulheres foram eleitas prefeitas - o que representa 13% dos 5.569 municípios.
Em 2022, apenas dois estados elegeram mulheres como suas governadoras - Fátima Bezerra (PT), no Rio Grande do Norte, e Raquel Lyra (hoje PSD), em Pernambuco.
A deputada Carol Dartora (PT-PR) destaca que uma das dificuldades da disparidade na direção dos partidos é o acesso a recursos para candidatas mulheres.
“Quem ocupa esses espaços de poder dentro dos partidos tem a caneta na mão para decidir candidaturas, distribuição de recursos e apoios políticos”, diz. “Isso gera um ciclo de exclusão. Sem acesso ao poder partidário, as mulheres tem menos chance de crescer politicamente e ocupar cargos estratégicos e a consequência disso são um Congresso e um governo que não refletem a diversidade da sociedade.”
Leia também:
Presença de mulheres nas câmaras cresce e vai a 18% dos eleitos
Brasil tem aumento de mulheres prefeitas no 1º turno; homens são 8 em cada 10 eleitos
90 anos e ‘nem um plenário’ cheio
Desde 1934, quando foi eleita a primeira deputada no Brasil, apenas 335 mulheres ocuparam este espaço. Ou seja, em 90 anos, as mulheres eleitas deputadas federais não ocupariam nem mesmo um plenário completo de 513 deputados.
Atualmente, o Congresso é composto por 91 mulheres entre 513 deputados e 16 senadoras entre 81 parlamentares no Senado. Um número recorde, mas ainda muito baixo.
“Como os homens pensam e coordenam o poder nas suas legendas, isso se reflete na política institucional. Também afeta a não priorização das candidatas mulheres nas eleições, no fenômeno das candidatas laranjas e as ‘vices’ para preencher as cotas de gênero”, diz a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), uma das coordenadoras adjuntas da Secretaria da Mulher na Câmara.
Uma das três mulheres da Mesa do Senado, que é composta por 11 senadores, Ana Paula Lobato (PSB-MA) diz que a estrutura partidária formada majoritariamente por homens limita as oportunidades das mulheres.
“Para mudar isso, é fundamental incentivar mais mulheres a participarem da política, garantir mecanismos que fortaleçam sua presença nos partidos e cobrar compromissos reais das legendas com a paridade de gênero. Sem mulheres nas instâncias de decisão partidária, continuamos sendo minoria nos espaços de poder”, diz.
A ex-deputada Vivi Reis defende que uma forma de mudar essa realidade é estabelecer regras que garantam maior participação feminina nas instâncias de decisão. Contudo, como os partidos têm autonomia de funcionamento, é preciso que a decisão parta das legendas.
"Com menos mulheres em cargos estratégicos, as decisões políticas tendem a não refletir as demandas e perspectivas das nossas pautas e lutas de forma prioritária. Além disso, a ausência de referências e lideranças femininas pode desestimular outras mulheres a ingressarem e se consolidarem na política."
Mulheres negras, indígenas e trans
A professora Luciana Ramos destaca que a representação é ainda mais baixa quando se fala em mulheres negras, mulheres indígenas e mulheres trans. A título de comparação, das 91 deputadas federais eleitas em 2022, 29 são negras, quatro são indígenas e duas são trans.
No caso da distribuição obrigatória de 30% de recursos dos fundos partidário e eleitoral para mulheres, Luciana diz que o repasse costuma ser feito majoritariamente para mulheres brancas porque “os dirigentes partidários são homens brancos e em geral vão indicar pessoas dos seu ciclo social, que em geral são mulheres brancas ou pessoas que são suas esposas, mulheres, filhas”.
“Mulheres negras, mulheres indígenas e mulheres trans não fazem parte deste espaço de poder e tomada de decisão que é a Executiva dos partidos. Consequentemente, elas serão muito menos selecionadas para serem candidatas”, diz.